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Meia-noite e meia

Por George dos Santos Pacheco
16/07/25 - 09:19

"O sono é como uma outra casa que poderíamos ter, e onde, deixando a nossa, iríamos dormir." (Marcel Proust)

Coloquei as sacolas do mercado sobre a mesa e me dirigi ao banheiro. O dia no trabalho fora agitado e produtivo; os números das planilhas contábeis ainda marcavam minha mente como se tivessem sido datilografados com fita nova. Lavei o rosto, urinei e acionei a descarga. Lavei novamente as mãos e as sequei, retornando à cozinha para preparar o jantar. Faltavam quinze minutos para as dezenove horas.

O macarrão era feito com massa de arroz, sem glúten, e foi servido com molho à bolonhesa, acompanhado de queijo fresco ralado, ovos mexidos, passas e azeitonas pretas. Viver sozinho levava a refeições rápidas e simples, quase frugais, que não interferiam no tempo que poderia ser dedicado ao descanso. A televisão era a única fonte de luminosidade na sala, emitindo uma luz azul, supostamente relaxante. No entanto, as notícias não compartilhavam da mesma tranquilidade: tratavam de balas perdidas nos centros urbanos, queimadas na Amazônia, a queda na avaliação do governo federal e até guerras do outro lado do mundo.

Concluí a refeição e congelei o restante, pois não tinha estômago para aquela quantidade de comida; exagero meu preparar tamanha porção apenas para mim. Fumei um cigarro, debruçado na janela, observando a noite que avançava lenta e silenciosamente, antes de lavar a louça; a atividade era uma oportunidade de relaxamento e permitia-me um tempo para uma breve digestão antes de me deitar.

"O chefe pediu os relatórios sobre recolhimento de impostos sobre serviços para amanhã, sem falta...", eu refletia durante o banho quente, que durou mais de meia hora – pesquisas indicam que a água em temperaturas em torno de 37 °C é uma excelente forma de relaxamento, reduzindo a tensão muscular, o cansaço e o estresse do dia. Tentei silenciar as vozes em minha mente, como indicado pelo médico, mas isso ainda era um completo enigma para mim.

Ativei o despertador no celular e o desliguei imediatamente, para evitar distrações e estímulos para a mente; o que eu necessitava naquele momento era relaxar. Deitei-me e me cobri com um cobertor fino, não estava frio para mais que isso. Virei-me para o lado esquerdo, pois essa posição auxilia na digestão, ainda em movimento no estômago. Inspirei profundamente e controlei a respiração: um, dois, três… e soltei o ar lentamente.

"Pai nosso, que estais nos Céus… puxa vida, esse negócio de reciprocidade com os americanos… deixem eles taxarem, pô. Senhor, receba esta oração pelo juízo dos governantes." Onde eu estava mesmo? Ah, sim. "Pai nosso, que estais nos Céus. Amém!" abreviei a oração ao sentir os olhos pesarem, mas um espasmo nas pernas me fez saltar do colchão e despertar. Liguei o celular para verificar as horas, estava ofegante e alerta, tomado por um calor repentino que me fez afastar o cobertor com vigor. Puta que pariu! Onze e trinta, nem meia hora havia se passado desde que me deitei. Merda!

"Pai nosso, que estais nos Céus, santificado seja o vosso nome… o chefe pediu os relatórios sobre recolhimento de impostos sobre serviços para amanhã; os números das planilhas ainda estão gravados em minha mente como se tivessem sido digitados em negrito." "Pai nosso… rapaz, se os americanos tomarem partido dos ucranianos… Amém! O pão nosso de cada dia nos dai hoje… Amém!" Suspirei. Estiquei o braço para pegar o celular na cabeceira: onze e quarenta e cinco. Puta merda!

Senti uma nova onda de calor e me virei para o outro lado. Morfeu, Morfeu... por que me abandonaste? Peraí, que zumbido é esse? Só me faltava essa, uma porra de um mosquito! Levantei-me de um salto e acendi a luz para procurar o puto do inseto. Permaneci parado no meio do quarto, com a sandália de borracha na mão, tentando rastrear o som e acertar o dito cujo. Opa, olha ele aqui: toma, seu vagabundo! Matei o mosquito na parede branca, manchando a superfície de sangue. Depois eu limpo. Aliás, amanhã preciso varrer isso aqui com mais atenção, tem um pouco de poeira no canto. O que é isso? Outro mosquito? Filhos da puta! Parece que está perto do guarda-roupa. Pô, eles são do cacete mesmo… mimetizam-se na cor amadeirada das portas. Olha ele ali… Dei uma porrada no desgraçado, mas nem sinal do corpo. Também não houve mais zunido, então resolvi encerrar minha ofensiva e voltar para a cama. Já era hora.

Meia-noite e meia. Pelo amor, de Deus, eu preciso dormir! Melhor tomar outro banho, fiquei todo suado, a pele grudenta… assim não consigo dormir. Liguei o chuveiro e reduzi a temperatura da água para quase fria, talvez fosse melhor assim. Para mim, esse papo de queimada na Amazônia não tem nada a ver com o aquecimento global, aliás, esse conceito de aquecimento global é o grande argumento dos países desenvolvidos para frear a economia dos países emergentes. Eles apelam até para os peidos das vacas para justificar seu imperialismo.

Acendi outro cigarro, com a janela basculante aberta, talvez uma tragada ajudasse a relaxar. Arrotei e senti o sabor de azeitona; preciso procurar um gastroenterologista, minha digestão não está nada ortodoxa. Comi demais, inclusive. Exagero meu preparar tamanha porção apenas para mim. Apaguei o cigarro no batente e o joguei no quintal, fechando a janela antes que algum mosquito entrasse novamente. Marcava cinco para uma quando me deitei novamente.

"Pai nosso… não nos deixeis cair em tentação…". Um motoboy não conseguia identificar o endereço e passou buzinando na rua para chamar a atenção do cliente. Senti vontade de levantar, acender a luz e matá-lo com minha sandália de borracha. Uma e vinte e cinco. "Livrai-nos do mal…". Puxa vida, os americanos querendo uma planilha para amanhã, o chefe querendo taxar todo mundo. "Senhor, receba esta oração pelo juízo do meu patrão…". Duas e trinta e sete. Os peidos das vacas contribuem para o efeito estufa. As calotas polares estão derretendo e a culpa é das vacas.

Suspirei. A torneira da pia não estava fechando direito, precisei apertá-la bastante para sustar o fluxo de água quando lavei a louça do jantar. A dengue está matando mais que balas perdidas nos grandes centros urbanos. Três e quarenta. Virei de lado e controlei a respiração. Um, dois, três… e soltei o ar lentamente; um, dois, três… e soltei o ar lentamente. Quatro e dez.

Cinco horas: levantei e fui ao banheiro, lavei o rosto, urinei e acionei a descarga. Lavei novamente as mãos e as sequei. Segui para a cozinha e tomei um copo de água. Retornei para a cama arrastando os pés, o corpo completamente dolorido. "Pai nosso, que estais nos Céus… eu estou doido para dormir, mas seja feita a vossa vontade e não a minha…" Os olhos pesaram e, finalmente, perdi a consciência. O alarme clássico do despertador no celular tocou precisamente às cinco e meia, os passarinhos cantavam felizes, saudando o novo dia após uma bela noite de sono. Sorte dos passarinhos.

Esfreguei os olhos, espreguicei-me e afastei o cobertor. Levantei-me e fui ao banheiro, lavei o rosto, urinei e acionei a descarga. Estiquei os braços acima da cabeça, entrelaçando os dedos até que estalassem; encarei-me no reflexo do espelho, a face marcada por vincos e olheiras, o cabelo revirado. Os passarinhos cantavam e cantavam; a torneira da cozinha pingava e pingava; a Amazônia queimava e queimava; o governo desagradava e desagradava. Suspirei. Eu sabia perfeitamente que o dia no trabalho seria intenso e produtivo; a noite, porém, ainda era um completo enigma para mim.


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