Rio reconhece legitimidade de casamentos em terreiros de Umbanda e Candomblé; notícia repercute no interior
Babalorixá de Nova Friburgo avalia medida como "reparação histórica" e "respeito à espiritualidade dos ancestrais"
Legitimidade dos casamentos realizados por religiões de matriz africana é reconhecida pelo Estado do Rio
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Foto: Reprodução/Fernando Frazão (Agência Brasil)
Os casamentos religiosos celebrados nos ritos da Umbanda e do Candomblé passaram a ter reconhecimento oficial no estado do Rio de Janeiro.
A lei estadual 11.058/25, de autoria original do deputado Átila Nunes (PSD), foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e sancionada pelo governador do Rio, Cláudio Castro (PL).
A medida foi publicada no Diário Oficial extra da última segunda-feira, 15, e estabelece que cerimônias matrimoniais realizadas em terreiros e casas religiosas de Umbanda e Candomblé passam a ser legitimadas, com possibilidade de conversão para efeitos civis, conforme a legislação federal em vigor.
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Para as lideranças religiosas, a sanção da lei marca um momento histórico.
Em Nova Friburgo, Região Serrana do Rio, o babalorixá Tatetu Simbilukaia, sacerdote de Candomblé (nação Angola) há seis anos, da casa Nzo Dia Ndandalunda Luango, avalia a medida como um passo importante na superação de desigualdades históricas:
Recebemos essa notícia com um profundo sentimento de reparação histórica e validação de cidadania. Por muito tempo, apenas os casamentos católicos ou evangélicos gozavam de prestígio e facilidade para o registro civil. Ver o casamento realizado no axé, sob as bênçãos dos orixás e guias, ter o mesmo peso jurídico perante o Estado é um reconhecimento essencial.
Como funciona o reconhecimento
De acordo com a nova lei, a celebração religiosa poderá gerar efeitos civis desde que seja emitida uma declaração de casamento religioso assinada por autoridade reconhecida da Umbanda ou do Candomblé.
O documento deverá conter informações como nome completo, CPF, identidade e endereço dos noivos, além da data, local e horário da cerimônia, identificação do celebrante, do templo ou terreiro e a assinatura de, pelo menos, duas testemunhas da comunidade.
Essa declaração deverá ser encaminhada ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, junto com os demais documentos exigidos pela legislação federal, como previsto no Código Civil e na Lei dos Registros Públicos.
O objetivo, segundo o texto original do parlamentar, é assegurar princípios constitucionais como liberdade religiosa, dignidade da pessoa humana, igualdade e proteção à diversidade cultural.
Impacto nas comunidades religiosas
Na avaliação do sacerdote Tatetu Simbilukaia, a mudança vai além de uma formalidade administrativa:
Não se trata apenas de um trâmite burocrático. É um ato de justiça e respeito à espiritualidade dos ancestrais. Permite que os fiéis formalizem suas famílias dentro das próprias tradições, sem precisar recorrer a ritos que não representam sua fé.
Segundo ele, na prática, a lei ajuda a enfrentar o que chama de "marginalização institucional" sofrida pelas religiões de matriz africana:
Ainda estamos longe de um culto plenamente livre, mas agora caminhamos em direção ao fim dessa marginalização. O reconhecimento fortalece a proteção dos terreiros contra o racismo religioso e garante que nossas casas sejam vistas como instituições religiosas legítimas, com direitos e deveres iguais.
Autoridades religiosas reconhecidas
A legislação também define quem pode ser considerado autoridade religiosa habilitada para emitir a declaração de casamento.
Estão incluídos sacerdotes e sacerdotisas, babalorixás, ialorixás, pais e mães de santo, chefes de terreiro e outras lideranças espirituais tradicionalmente reconhecidas pelas comunidades.
Esse reconhecimento respeita os critérios internos das próprias tradições religiosas, sem interferência do Estado, preservando a autonomia espiritual e organizacional das casas de Umbanda e Candomblé.
Vetos do Executivo
Apesar da sanção, o governador Cláudio Castro (PL) vetou dois dispositivos do texto aprovado pela Alerj.
Um deles previa punição às serventias extrajudiciais que se recusassem, de forma discriminatória, a receber ou processar documentos relativos aos casamentos religiosos dessas tradições.
Segundo o governo, o trecho invadia competência legislativa exclusiva da União sobre registros públicos.
Outro veto atingiu o artigo que autorizava ações educativas, campanhas informativas e capacitação de agentes públicos sobre diversidade religiosa, sob o argumento de violação ao princípio da separação dos poderes.
Mesmo com os vetos, parlamentares e representantes religiosos avaliam a lei como um marco.
Para o deputado Átila Nunes, o estado do Rio se torna "pioneiro ao reconhecer os efeitos civis de casamentos celebrados na Umbanda e no Candomblé".
Já para as comunidades de terreiro, como ressalta Tatetu Simbilukaia, o momento é de conquista, mas também de vigilância:
Nossas religiões são tão legítimas e sagradas quanto qualquer outra. É um passo decisivo para que os povos de terreiro deixem de ser vistos como 'folclore' e passem a ser respeitados como instituições religiosas plenas em seus direitos e deveres.
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