O último verso
“Quero ver você não chorar, nem olhar pra trás, nem se arrepender do que faz" - Para Não Ser Triste, Edson Borges de Abrantes
Quando eu era garoto, teve uma propaganda de fim de ano na TV que me marcou até hoje. Era 1987. Airton Senna ganhara o GP de Mônaco, Drummond nos deixava e o Brasil era palco do maior acidente radiológico fora de unidades nucleares. Foi um ano bem agitado, mas nada, nada disso, nem mesmo a abertura do Fantástico, foi capaz de me impressionar tanto quanto aquele jingle publicitário.
Pois bem. O mote do comercial era um coral de crianças, vestidas com uma espécie de túnica, de tema natalino. A apresentação já havia começado e a música seguia irremissível; faltava, porém, um membro da cantata. As cenas que se seguiam mostravam o molequinho atrasado correndo pela cidade para chegar a tempo, mas ele só consegue comparecer, ofegante e feliz, para cantar o verso final: “pra você!”.
O que me impressionou tanto, cara pálida? As festas de fim de ano sempre assumem uma atmosfera mágica, quanto mais para uma criança. Eu tinha seis anos de idade e o garoto da TV era um pouco mais velho que eu, a identificação com o personagem era óbvia. Ora, parecia que ele não conseguiria chegar e aquilo era angustiante demais! Ele, contudo, não desistia, e era justamente isso o que emocionava (e emociona até hoje), a perseverança do menino que ficou satisfeito em participar tão somente com o último versinho. Terráqueos, meus olhos marejam toda vez que canto ou me lembro da tal musiquinha.
O que quero dizer – se é que quero dizer alguma coisa – é que aquela propaganda (e seu jingle poderoso) resume o que a gente precisa se lembrar não somente no fim do ano, mas todo santo dia: não desistir, mesmo que estejamos atrasados, mesmo que pareça não fazer sentido seguir em frente.
Mas todo fim de ano é a mesma coisa, caríssimo e festeiro leitor. Sempre tem propaganda, especial do Roberto Carlos (opa, nem sempre!), a gente pula sete ondinhas, se veste de branco, come romã, canta “hoje é um novo dia de um novo tempo que começou”, estoura espumantes e pede a Deus (mesmo sendo uma falta de respeito tratá-lo feito um gênio da lâmpada) que o próximo ano seja melhor. Fato é que tudo é muito estético, supersticioso e pirotécnico. Não é o ano que vem que precisa ser melhor (até porque os acontecimentos independem de nossa vontade), nós é que temos de ser melhores para o ano que se avizinha. Somos nós que precisamos ser novos.
Então, invés de pedir que o ano seja tal e coisa, coisa e tal, é muito mais honesto pedir mais paciência, mais força, mais resiliência, mais fé, porque com tudo isso a gente enfrenta qualquer barra (faz dieta, larga cigarro e o escambau). E na verdade, nem é o último verso que importa, mas continuar correndo até o fim.
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