Uma boa notícia
"Tem gente que reclama até de dinheiro novo" (Ditado popular)
Atravessou correndo a pista lateral da praça, fora da faixa, inclusive.
Aproveitou um breve intervalo no fluxo do trânsito e saltou na rua, dando passos largos para alcançar o outro lado.
Como o carro permanecia em um estacionamento particular, o tempo era, literalmente, dinheiro.
Nem deu tempo de pisar no passeio da praça.
O homem distraiu-se com o relógio no pulso e deu com os peitos em uma cerca, caindo estatelado para trás.
Foi como um pênalti bem executado: boné para um lado, sujeito para o outro.
Levantou-se desorientado, tentando inutilmente ajeitar a mecha de cabelo que escondia uma careca precoce.
Rapidamente, duas ou três pessoas se aglomeraram ao redor, ajudando-o a levantar ou registrando a cena com os celulares.
— O que aconteceu, meu senhor? – perguntou uma moça, segurando o braço do homem de meia-idade.
— E eu sei lá? É essa cerca no caminho; até ontem não estava aí. – respondeu ele, apoiando uma das mãos no joelho, o olhar marcado pela indignação, assim como sua voz.
— Ah! É por causa das obras na praça. – explicou um jovem com mochila nas costas, segurando as alças junto aos ombros.
— Obras? Que obras? – perguntou ele, com assombro, enquanto batia a poeira da roupa.
Os carros passavam pela pista e diminuíam a velocidade, contribuindo para um congestionamento inesperado.
— Ora, então o senhor não está sabendo? Estão reformando a praça. Foi notícia em todas as mídias e redes sociais! Estão reformando! – disse uma senhora que se aproximava do grupo, que cada vez aumentava mais, à margem da rua.
— E assim? De repente? – exclamou ele, revoltado, gesticulando nervosamente.
— Como “de repente”? Teve até licitação. – respondeu a moça, franzindo a testa e recuando para junto do meio-fio ao ouvir a buzina de um carro que passava ao largo.
— Mas como é que cercam a praça e não avisam ninguém? – questionou o sujeito, colocando as mãos na cintura.
— Senhor, tem uma placa bem ali indicando que o acesso está interditado. – alertou um senhor que fazia caminhada por ali e só escutou a última frase daquele diálogo inusitado.
A essa altura, o engarrafamento já alcançava as proximidades da rua Sete, quase no Supermercado Cavalo Azul.
— Ah, é? Ora… e por que não está iluminada? Por que não há nenhum guarda municipal para orientar as pessoas? Cadê o encarregado da obra, cadê o prefeito? Cadê todo mundo? Falta de respeito é o nome disso!
Falta de respeito! – resmungou o homem, buscando outros argumentos e se tornando cada vez mais exaltado.
Nesse momento, sentiu o rosto corar e lembrou-se do carro no estacionamento. Ia pagar uma fortuna por causa dessa porcaria dessa reforma da praça. Uma fortuna!
— Mas senhor…
— Quando era o outro prefeito não tinha esse tanto de obra por aí, não. É obra em praça, obra em rua… só falta agora dizer que vai ter obra no hospital também! – resmungou ele caminhando, procurando algum acesso para a praça. Uma fortuna, uma fortuna!
— E desde quando isso é ruim? – perguntou uma mulher segurando um garotinho pela mão.
— Desde quando as pessoas são constrangidas e têm… e têm… têm seu direito de ir e vir cerceado pelo poder público! É isso o que digo! – afirmou ele, com o dedo em riste para cima, finalmente entrando no polêmico rossio friburguense.
— Mas o que o senhor está dizendo, francamente, é um grande absurdo… – disse um homem de terno e gravata, pasta de couro na mão. Era um advogado.
— Absurdo! É um absurdo, é isso o que eu digo. ‘Que’ eu quiser, eu coloco ‘eles’ na Justiça! – disse ele, já de costas, afastando-se pela praça, que de repente pareceu longa.
As folhas secas de eucalipto caíam com o vento frio do inverno e alguns funcionários da prefeitura varriam o chão de lajotas que seriam substituídas com a reforma, incólumes à discussão.
E veja só: o homem ficou tão nervoso que esqueceu até o boné na sarjeta; com certeza, culparia também o prefeito pelo sumiço da indumentária.
As pessoas foram se dispersando e deixando o local, cada uma para seus compromissos, balançando a cabeça com um sorriso desconcertado no canto da boca.
Aos poucos, o fluxo de veículos foi se normalizando e, não fosse uma crônica – e as imagens que circularam nos grupos de mensagem – ninguém saberia do ocorrido.
Para quem presenciou a cena, resta uma única certeza: é fácil para quem é do contra encontrar falhas até em uma boa notícia; mais fácil ainda se for para disfarçar o próprio vexame.
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