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O homem das cavernas

Por George dos Santos Pacheco
25/06/25 - 10:17

“O primeiro dos bens, depois da saúde, é a paz interior.” (François La Rochefoucauld)

Terráqueo! Ô, terráqueo! Você mesmo, aí com o celular na mão. Não conte a ninguém, mas estou com um projeto audacioso. E digo isso franzindo o cenho e cofiando os bigodes. Estou pensando em, quando me aposentar, pegar a família e ir morar em uma caverna, lá, bem no meio do mato. Ora, se não.

O senhor deve se lembrar que na crônica n.º 30 do ano de 2024 meu plano era passar as férias num resort intergaláctico, mas a escalada dos acontecimentos me obrigou a mudar de ideia. Até porque os foguetes da SpaceX explodem um após o outro e eu é que não quero me arriscar tanto.

Quê? Sério. Pensei numa caverna espaçosa e bem iluminada, com piso laminado e lareira, cozinha americana, vista para um lago, área gourmet, garagem e talvez até wi-fi. Contanto que seja bem distante dos seres humanos, está formidável. Diria até excelente.

Eu sei muito bem o que você pensou: o cronista pirou, coitado. Vá lá, talvez. Não é culpa minha, entenda bem. Quem não perde o juízo convivendo como digníssimo homo sapiens?

Não tardo a me explicar.

Vê bem, o sujeito sai de casa e se estressa na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Aporrinha-se no mercado, se aborrece no trânsito e até parado no mesmo lugar zapeando o celular. Fica por conta do cacete com o serviço público de educação, saúde e transporte, com a imobilidade urbana e também com a coleta de lixo. Certa feita, atrasei-me para o horário do ônibus e cheguei esbaforido no ponto, exatamente no momento em que ele largava. Até bati a mão espalmada na lateral do coletivo, mas o motorista fez questão de me abandonar para o próximo, que só passaria quarenta minutos depois.

Noutra ocasião, este simpático cronista vinha com o automóvel no plácido trânsito do burgo friburguense numa noite fria e brumosa. Em dado momento, foi necessário mudar de faixa; o motorista, então, sinalizou com a seta e seguiu para a lateral da pista. Simples e regulamentado assim. Pois isso não foi o bastante para um motociclista que vinha a mais de cento e cinquenta metros atrás, em velocidade desconhecida. O dito cujo chamou o dedo na buzina até a moto ficar rouca e fez questão de emparelhar o cavalo de ferro com o carro e me chamar de maluco, esbravejar, gesticular, antes de seguir seu caminho, na santa paz de Deus.

Na fila do mercado, alertei o camarada da frente que o caixa chamava o próximo cliente. Distraído, ele não percebeu. Em vez de agradecer, questionou em alto e bom som – com direito a volumosos perdigotos – se eu estava com pressa.

Veja bem, iluminadíssimo leitor. A culpa de todas essas coisas não é do motorista de ônibus, do motociclista, do cliente do mercado, do político ou do funcionário público. A culpa é do famigerado ser humano. Dia após dia, ano após ano, a relação entre os homens se torna cada vez mais difícil. Impossível saber o que se passa na cabeça do terráqueo. O respeito e a empatia já foram pras cucuias há muito, muito tempo. Por essas e outras, é que eu ainda vou morar numa caverna, você vai ver.

Na sociedade em que vivemos, ou o cara finge demência e abstrai, ou se isola do mundo. Acontece que de tanto fingir demência a turma já está quase acreditando que sou maluco mesmo e eu não estou nem um pouco a fim de enlouquecer.

Pensa aí, terráqueo: morar numa caverna é a melhor solução. O mais “far away" dos seres humanos, possível. Quando eu morar na caverna, vou escrever crônicas rupestres que ficarão famosas num futuro muito distante. Vou andar vestido de folha de taioba sem me preocupar com o olhar dos vizinhos. Vou plantar no quintal pera, uva e maçã. Vou tomar café de (puro) café torrado e moído. Vou esquecer as intrigas políticas, o IOF, a balança comercial, o preço dos alimentos e da gasolina. Vou criar paca e tatu – cotia não. Vou viver de bolo e guaraná, suco de caju – e goiabada para sobremesa. Vou contar histórias ao redor da fogueira, sob a luz da lua. Vou viver num eterno domingo, sem ninguém por perto que possa me encher o saco.

Puta que pariu, meu senhor! Isso é ou não é o arquétipo da felicidade? Claro que é. Você vai ver, um dia eu vou morar numa caverna. Ora, se não.


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