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Acima de qualquer suspeita

Por George dos Santos Pacheco
03/12/25 - 09:33

"Esperteza, quando é muita, come o dono." (Tancredo Neves)

A cidade estava um verdadeiro caos. Sob a desculpa esfarrapada daquele dia de promoções importado dos nossos colegas yankees, aquela grande avenida do centro da cidade estava enfeitada de ponta a ponta com balões amarelos e pretos; stands de cerveja, DJs, bandas e fanfarras distraíam os inocentes consumidores que circulavam de um lado para o outro, disputando, a cotoveladas, os imperdíveis descontos oferecidos por supermercados, lojas de eletrônicos e até carrinhos de pipoca. Éramos as vítimas perfeitas.

Os homens seguiam pela já aludida avenida, sem despertar grande interesse dos demais caminhantes. A sombra dos prédios conferia um ar de mistério à cena, enquanto os ocupantes dos carros que cruzavam a via distraíam-se com suas preocupações, com as motos que rasgavam os corredores justamente no momento de trocar de faixa ou com a instalação dos postes para o desfile de Natal. Ninguém lhes dava atenção.

Aqueles jovens, mergulhados na multidão, estavam acima de qualquer suspeita. Eram bem-apresentados, tinham as barbas feitas, os cabelos alinhados, vestiam-se de modo simples e elegante. Quem desconfiaria deles?

— Cara, ainda tô meio bolado com esse lance… — murmurou um deles, caminhando com as mãos nos bolsos.

— Bolado com o quê, irmão? Olha lá: o cara é velhinho, tá distraído com o celular… vai ser mamata. Você esbarra, e eu pego o aparelho — afirmou o parceiro, andando naturalmente ao lado do outro, modulando a voz para competir com os locutores das lojas e, ao mesmo tempo, não entregar o golpe.

— Hum… sei não. Tem gente demais aqui.

— Deixa de ser cagão, isso dá é azar! O lance é pegar e vazar antes que percebam. E não esquece: cada um corre pra um lado! — disse o mais atrevido, com um sorriso debochado.

O alvo era um senhor de quase setenta anos, baixinho e franzino, que andava meio capenga, de lado, com os cabelos grisalhos e úmidos penteados para trás. Seu olhar era triste e melancólico, como se padecesse de uma gripe eterna e incurável. Guardou o celular no bolso e consultou as horas no relógio de pulso. Estava completamente distraído.

Os rapazes se entreolharam e, num aceno de cabeça, concluíram que era o momento. O primeiro apressou o passo para alcançar o idoso; o segundo contou até três e seguiu o colega. Eles sabiam de tudo: estudaram o local, as câmeras de segurança das lojas e até a rotina de alguns ônibus que passavam pela avenida; sabiam que pessoas que usam celulares na rua, que se distraem no meio da multidão ou que caminham sozinhas por lugares ermos são alvos fáceis. O que ignoravam, com descuido, era que aquele velho franzino, de aparência melancólica e olhar cansado, lutava Aikido, Boxe, Capoeira, Hapkido, Jeet Kune Do, Jiu-Jitsu, Judô, Karatê, Kendo, Kickboxing, Kung Fu, Krav Maga, Muay Thai, Taekwondo, Vale Tudo e até Wing Chun (seja lá o que isso signifique). E ainda era fã do Bruce Lee!

O primeiro simulou o esbarrão no idoso assim que pôde, tentando desestabilizá-lo para o ataque do comparsa. Contudo, ao notar o golpe, o velho desviou para o lado e plantou a mão na cara do marginal, para em seguida arremessá-lo ao chão com um morote seoi nage impecável. O segundo assistiu a tudo, mas já era tarde para recuar; aproximou-se numa vã tentativa de ajudar o colega, contudo, o velhinho esquivou-se com um aú fechado, derrubando o bandido com um escorão violento.

Tudo aconteceu tão rápido, tão depressa, que todas aquelas pessoas indo e vindo com sacolas nas mãos, carregando fogão, TV e até geladeira nas costas, nenhuma delas percebeu o ocorrido; ninguém teve a chance de filmar com o celular para postar nas redes sociais e fazer piada.

Ao fim e ao cabo, o plano ocorreu exatamente conforme o combinado: cada um correu para um lado. O problema, para eles, é que só levaram para casa a vergonha de terem apanhado na rua. O esquema dos dois teria dado certo; afinal, topar com um velhinho mestre em artes marciais por aí é como ganhar na loteria. Mas, como gato escaldado tem medo até de água fria, vão pensar duas vezes antes de planejar outro ilícito qualquer. Ou não.


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