Uma questão de vocação

"Aquele que tem uma profissão tem um bem; aquele que tem uma vocação tem um cargo de proveito e honra." (Benjamin Franklin)

Fala a sério: a primeira pergunta que deveria ser feita a um candidato político numa entrevista qualquer ou debate televisivo era "por que o senhor/senhora escolheu se tornar político(a)?". Daí, é claro, toda aquela explicação repleta de nuances coloridos, carregada de emoção, sobre a origem humilde, a dedicação em grêmios estudantis e nas associações de moradores, ou ainda, a menção a uma tradição familiar ligada à política, destacando um histórico de trabalho em favor da comunidade, entre outros pontos. Nesse momento, o entrevistador prossegue com o mais importante: "Deixando o aspecto altruísta de lado, por que escolher a política como profissão? Quais as vantagens profissionais de se tornar um político?".

Imagine aí, meu senhor, a Leda Nagle ou o Jô Soares encarando o postulante em silêncio, mudez daqui e de lá. 'Vamos agora para um rápido intervalo, não saia daí.". Não saio mesmo, que essa eu quero ver. Nesses anos eleitorais, eu fico me perguntando, quando vejo essa turma fazendo campanha, todo esse interessante aparato de convencimento de eleitores e não chego a conclusão alguma. Qual a vantagem de ser político? Qual a vantagem, meu Senhor e meu Deus?

Respeitável público, há de haver alguma vantagem, uma apenas. O camarada que se candidata ao cargo público deseja tão somente fazer o bem e servir à sociedade? É questão de vocação? Pode ser, está aí um bom motivo. Não dá, contudo, para fazer isso sendo um cidadão comum? Pagando em dia seus impostos, limpando sua própria calçada, não atirando lixo na rua, zelando pelo bem público, seja ele hospital, escola ou transporte, respeitando o trânsito na condição de pedestre ou motorista? Dá sim, claro que dá, e pode-se satisfazer-se plenamente com isso, acredito.

Se não for isso, o que é, então? Ser conhecido publicamente? Para isso o bacana pode ser o nosso contemporâneo influencer, com milhares de seguidores nas redes, não é? Tem influencer para tudo agora, deve ter até carteira assinada para influencer, profissão formal e bem remunerada. Só não deve ter mais influencer que engenheiro (quando eu era garoto só havia engenharia civil, mecânica e elétrica, mas agora tem engenharia de produção, ambiental, de software e até de alimentos). Digressões à parte, se o sujeito quer ser popular ele não precisa ser político, basta escolher um assunto, criar um canal no YouTube ou um perfil no Facebook e Instagram, e falar um sem número de bobagens para o pessoal dar joinhas.

Dito isto, o que nos resta, curiosíssimo terráqueo? Carreira estável, possibilidade de evolução na empresa, crescente demanda pelo serviço, especialização em diferentes áreas, aprendizado contínuo? Não, não é isso também. O tupiniquim que deseja isso para sua vida pode muito bem estudar e realizar um concurso público para as mais variadas áreas.

Cara pálida, esse é o nó górdio, um daqueles raciocínios cuja conclusão passa por alternativas ou premissas contraditórias e mutuamente excludentes, problema sem solução. Não há vantagem alguma em ser político, é só aborrecimento e aporrinhação; gente pedindo favores, gente cobrando favores, a necessidade de se resolver problemas dos quais não se é o responsável direto, a triste constatação de que isso não é possível, o ganho súbito de amigos e (principalmente) inimigos… definitivamente, não entendo porque alguém sai do conforto de seu lar e vida comum para se tornar político. Todo ano eleitoral é a mesmíssima coisa, nem vale a pena meditar sobre os mistérios da vocação política ou quaisquer outras. De qualquer forma, daqui a quatro anos tem mais (putz, quatro não: dois!).