Um tempo privilegiado
“Nenhum tempo e nenhum lugar nos agrada tanto como o tempo que não existe, e o lugar em que não estamos.” (Marquês de Maricá)
Veja bem, pressuroso leitor. O terráqueo, desde a primavera de nossos tempos, nunca foi bobo. Ora, verdade seja dita: se há por aí alguém dando com os burros n'água, é porque havia uma unidade querendo se dar bem e, obviamente, outra malfadada que desejava se dar melhor ainda. Pois é. Ao fim e ao cabo, somos todos iguais – mas uns mais iguais que os outros. Talvez por uma espécie de instinto de sobrevivência, o ser humano sempre buscou o melhor: os alimentos mais saborosos ou nutritivos, abrigos mais frescos ou aquecidos, sinecuras, emoções mais satisfatórias. O nosso cotidiano é regido pelas normas e valores éticos e morais, mas sobretudo, por uma necessidade fisiológica e inata de ser feliz e de se dar bem (honestamente ou não).
Reste claro, o homo sapiens não chegou até aqui por conta dos polegares opositores, pelo desenvolvimento de modernas técnicas de agricultura ou pela produção de medicamentos em larga escala, mas porque, simplesmente, busca de maneira incessante a felicidade, o bem-estar e o prazer. Essa predisposição, obviamente, às vezes nos impele a caminhos tortuosos, mas não é este o caso, contudo. Não dessa vez.
Na Copa do Mundo e além dela, a gente quer mesmo “é levar vantagem em tudo, certo”? Nessa toada, leve em consideração que havendo oportunidades, sempre haverá ao menos uma escolha – e a gente sempre vai escolher o melhor. Agora, imagine uma determinada situação: e se em vez de, por exemplo, um lugar privilegiado, tivéssemos a oportunidade de escolher um... tempo privilegiado? Que momento seria esse? É exatamente esse exercício que a gente faz em todo réveillon. Revisitamos momentos vividos (e até os não vividos, aquelas infinitas possibilidades) a fim de experimentar aquelas emoções do primeiro parágrafo.
Enquanto observamos o ribombar dos fogos, os abraços emocionados, as promessas que não serão cumpridas, esse filme se exibe diante de nossos olhos, num plano etéreo e metafísico, tão longe, tão distante, mas paradoxalmente tão próximo, quase a ponto de ser possível tocá-lo. Mas e se você pudesse escolher um momento privilegiado, para visitar fisicamente e não somente nos rincões enevoados de sua mente, qual seria? Com quem você estaria? Do que falariam? Qual seria o cheiro e a sensação? Esse recorte do tempo que escolhemos possuía realmente esses auspiciosos pormenores e nuances, ou fantasiamos algo mais belo e significativo para cravar nas anteparas de nossa memória?
É, cara pálida, não se culpe por isso. A verdade é que escolher momentos privilegiados é algo que devemos perseguir todos os dias. Um ano inteiro é feito de momentos privilegiados. Por isso, cerque-se de boas companhias, boas conversas, bons pensamentos, boas emoções, boas intenções e não menos importante, permita-se também ser assim para alguém. Porque é disso que são feitos os dias, os meses, os anos e, de fato, é impossível seguir em frente enquanto permanecemos olhando para trás. Não se engane. Os melhores momentos são aqueles que ainda estão por vir. Mas você, que não é bobo nem nada, já sabia disso, não é?
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