O pulo do gato
"Mas o tempo, o tempo caleja a sensibilidade." (Machado de Assis)
"Você é terrível", disse Dona Maria, enquanto eu guardava as sacolas de compras no porta-malas do carro. "Ora, e por quê?", perguntei, retoricamente. É claro que eu sabia a que ela se referia: havia pego duas vezes o copinho de café na maquininha. "Esse é o café tal, torra tal, etc., etc.". "Tá, tá bom", pensei, enquanto agradecia ao representante de vendas. E assim funciona com café, biscoitinhos ou qualquer outra degustação. Por que seria diferente?
Quando há em um mercado alguma estratégia de marketing envolvendo brindes, vou direto para a fila sem pensar duas vezes. Pode ser até uma injeção na testa. O que me torna um sujeito "terrível" por causa disso? O comerciante, empresário, feirante ou seja lá o que for, se for esperto mesmo, vai se empenhar em algo que o diferencie, que o torne melhor que os outros. Chaveiro, caneta, calendário, alguém que recepcione os clientes na entrada dando-lhes "bons-dias"… qualquer coisa. O "cafezinho" no mercado, aliás, é um investimento muito pequeno para o administrador, considerando o que se consome em sua loja, mas agrada aos clientes, que se sentem valorizados e importantes. O resultado? O sujeito retorna ao estabelecimento mesmo que os preços dos produtos não sejam tão atraentes assim.
O nome disso é diferencial (o pulo do gato, chame como melhor lhe aprouver). Por que se contentar com o básico quando é possível ir além? Se o chefe pediu para varrer, por que não também passar um pano? Se ele requisitou cálculos e comparações entre dois itens, por que não criar uma planilha e um gráfico? Pode ser que Vossa Senhoria não valorize isso, mas não pode negar que o diferencial é fundamental nas interações sociais e vai muito além de uma simples estratégia de marketing.
Imagine, por exemplo, se a cada anúncio de aumento dos combustíveis, das alíquotas de impostos, do tempo de contribuição para a aposentadoria, enfim, todas essas mazelas políticas e econômicas a que estamos submetidos, o governo desse uma espécie de brinde para a população: algum tipo de desconto, cashback, ou coisa semelhante. Os cidadãos acatariam as mudanças de bom grado, sem protestos mais incisivos ou críticas ao prefeito, ao governador ou ao presidente.
Portanto, terráqueo, seja melhor. Ao chegar em casa, ao ouvir a saudação dos filhos, abrace-os e beije-os. Quando a esposa igualmente o cumprimentar, beije-a e diga como ela está cheirosa e como seu sorriso está mais bonito do que antes; ouça com paciência tudo o que ela deseja compartilhar. Pois é muito fácil voltar do trabalho arrastando os pés, desanimado, reclamando da vida e sendo intolerante com a família – a maioria de nós faz isso, sem remorso – no entanto, ser atencioso, gentil e carinhoso... esse é o verdadeiro diferencial. É o pulo do gato.
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