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O chato

Por George dos Santos Pacheco
04/10/23 - 09:25

“O pior das pessoas inconvenientes é que elas acham que não são inconvenientes.” (Swami Paatra Shankara)

Há pessoas que opinam sobre tudo, mesmo arranhando de leve a superfície do assunto; há outras cujo repertório é apenas um determinado tema. Algumas, durante uma conversa, cutucam o interlocutor para chamar a atenção e outras tantas aumentam o tom de voz para concorrer com a explanação alheia. Tem gente que se incomoda com o calor, que se incomoda com o frio, que reclama do tempo aberto, da chuva, do cheiro e sabor do tempero da comida. Uns falam muito, outros falam pouco… Sinto informar-lhe, terráqueo, mas caso tenha se enxergado no epílogo, é bem provável que seja chato.

Peraí! Não adianta chamar-me disso, ou daquilo, tampouco olhar-me assim! Continue a leitura, por favor. Levar para o coração também é inconveniente. Como é reclamar do som alto, do vidro do carro aberto, de barulhos repetitivos, de gavetas abertas, de quadros tortos, do tamanho da frase, do texto, do livro. Da mesma forma, apegar-se a picuinhas, corrigir o “português” dos outros, demorar para se decidir, divulgar a crônica para os contatos, fazer barulho ao mastigar, falar alto e rápido, não beber em festas de família, ostentar nas redes sociais, recomendar dietas, roncar e peidar dormindo, xingar gratuitamente. Tudo isto é demasiado inoportuno.

Parágrafo único: se você não faz nada disso, cara pálida, você também é chato – feito um feriado no fim de semana.

O fato é que os chatos não sabem que o são, e geralmente se irritam ao serem chamados assim, tal qual ao Mumm-Ra ao deparar-se com o reflexo. Por isso, chamar os outros de chato, também é uma cousa bem irritante.

Infelizmente, a chatice não tem cura (e isso é muito chato). A chatice, tão difusa e volatizada, não deixou nenhum mortal de fora, fidelíssimo leitor. Sendo bem franco, todo mundo é um tanto tedioso, vez ou outra. A propósito, franqueza em demasia (adivinha?) também não convém.

Parêntese oportuno, a particularidade é tão marcante, que logo se repara a ausência do chato, em qualquer ambiente ou círculo do qual ele faça parte. Já notou isso, cara pálida? Caso não, o chato “não” ausente pode ser você.

Calhando ou não, a chatice (crônica ou aguda) reside na autenticidade e espontaneidade do chato. O sujeito age de maneira tão natural e até irrefletida, que a maioria de nós não está nem um pouco preparada para isso. A verdade é que a característica, propositalmente dissimulada, se converte de bom senso à hipocrisia rapidamente. E a sociedade está cheia disso. O chato pode ser tudo, menos espúrio.

Por sorte, cara pálida, embora não haja cura, existe tratamento. Doses diárias de “medida” costumam surtir efeito em curto prazo. Genéricos e similares também são indicados, na ausência do remédio de referência. Recomenda-se “nem oito ou oitenta” ou “meio-termo”, além do uso concomitante de “tolerância”, que pode intensificar a ação antimaçante, diminuir os efeitos colaterais e auxiliar na terapia.

Digressões, regressões e ingressões à parte, embora friamente calculados, é conveniente e salutar que fiquemos por aqui. Désolé, mais c'est fini. Receitar soluções para o problema dos outros, todos hão de convir: é cousa de chato. Aliás, unanimidade também.


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