Indecente
“Por trás de todo paladino da moral, vive um canalha.” (Nelson Rodrigues)
– Você sabe que horas são?
– Boa noite, amor! Olha, passei na padaria. Trouxe aquele pão doce que você gosta…
– Não desconversa não, Umbelino. Onde é que você estava?
– Eu… ora, onde eu estava? Estava no bar. Saí do trabalho e fui beber um pouco, jogar uma sinuquinha para distrair.
– E esse bafo de café requentado? Essa tinta de caneta nos dedos… e... e o que é isso na sua camisa? Mancha de carimbo? Você estava no trabalho, seu patife! Descarado!
– Meu bem, eu posso explicar… não é bem assim!
– Como não é bem assim? Não tem explicação!
– É que surgiram uns relatórios para fazer já no final do expediente, e os caras lá do escritório insistiram. Foi mais forte que eu, entenda!
– Ah, você quer que eu entenda? Bem que papai avisou que você não prestava! Você podia estar bebendo, perdendo dinheiro nas cartas, amancebado com alguma vagabunda por aí, mas não! Tinha que estar no trabalho. Eu não aguento mais!
– Meu bem, foi só uns relatoriozinhos… nada demais.
– Fala a verdade, seu escroto. Relatoriozinho? Você acha que eu ainda caio nessa?
– Tá bom, eu… eu respondi alguns e-mails para a superintendência também. Mas foi só isso, eu juro!
– Seu ordinário! Canalha! A gente já tinha conversado sobre essas coisas, ou já se esqueceu? Enquanto eu dou um duro danado, faço cabelos, maquiagem e unhas, você fica lá no escritório com aqueles teus amigos, fazendo relatórios, trocando mensagens com a superintendência, se acabando de tomar café… a firma só quer teu sangue, seu idiota! Eu te amo de verdade, mas olha só como você me trata…
– Olha, melhor a gente conversar depois, com a cabeça mais fria… para não se magoar.
– Não se magoar? Mais magoada do que estou, impossível. Ei! Onde você pensa que vai?
– Sei lá. Vou ver se encontro uma biblioteca aberta, vou ler uns livros para espairecer.
– Tá vendo? É disso que estou falando. Em vez de ficar em casa, pedir um fast food e assistir um Big Brother comigo, ou então o jogo do Carioca, enquanto eu me distraio nas redes sociais, mas não… prefere se enfurnar numa biblioteca e ler sei lá quantos livros! Você não presta!
– É melhor você se acalmar, amor… eu te amo!
– Ama desse jeito? Quer saber, João? Eu é que não quero conversar agora. Vai lá pro teu escritório. Eu vou pra casa da minha mãe…
– Espera aí, amor. Vamos conversar. Você vai entender… não foi bem assim. Amor! Volta, amor! Peraí… quem é João?
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