Aos costumes
“O importante é não parar de questionar. A curiosidade tem sua própria razão de existir.” (Albert Einstein)
Questão de prova, terráqueo: José mora no Catarcione. Admita que a coleta de lixo seja realizada nesse bairro sempre às segundas, quartas e sextas. Quantos quilos de lixo Maria produz por dia? Ahn? Você pode até não ter entendido a proposição, mas a solução do problema está exatamente na pergunta e não na identidade de Maria, José, ou quem quer que seja. Quer ver?
Podia ser qualquer um, meu senhor. Huguinho, Zezinho e Luisinho, inclusive. Não importa. O fato é que o lixo é um problema desde que o mundo é mundo e, não raro, surgem reclamações e denúncias sobre o descarte de lixo em Friburgo, aqui, ali ou acolá. Justo, muito justo. Dou o meu apoio, acredite. Até porque nossas unidades de homo sapiens têm um defeito de fábrica que consiste em tirar o deles da reta, custe o que custar. Por isso, melhor mesmo é nem ingressar nessa seara, a fim de não confundir o já confuso leitor.
Dito isto, prossigamos. Eis que, não faz muito tempo, uma querela sobre descarte de resíduos, logo após a passagem da concessionária, ganhou alguns informativos, as redes sociais e antissociais, quase virou meme. A culpa, segundo a placa instalada no lugar, foi da população, que desfez-se de seus resíduos fora do dia e do horário estipulados. A partir daí, podemos formular outras questões, como por exemplo, se esse lixo não pode estar lá, onde o cidadão deve armazená-lo até a próxima coleta? Em casa, respondeu o senhor lendo a crônica dentro do ônibus. Mas há controvérsias.
De acordo com dados de um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), produzimos, por ano, cerca de 81,8 milhões de toneladas de resíduos nas áreas urbanas, o que representa 224 mil toneladas diárias. Maria, José, eu e você, geramos, em média, 381 quilos de lixo por ano, o que significa mais de um quilo por dia. É muito lixo, meu senhor, ainda mais se considerarmos o volume desse material e não seu peso. Guardá-lo em casa pode ser muito mais insalubre do que o depositar no local destinado para sua coleta, concordam nisso?
A questão é puramente matemática, mas ganha outras implicações. Imputar à vítima a responsabilidade por seu próprio revés é de um cinismo e frieza desconcertantes, além de ser muito mais fácil. Puta que pariu, como é fácil. Por isso mesmo, é o que acontece, todo santo dia, nos mais variados problemas sociais a que somos expostos. A culpa é sempre da vítima. Pior do que isso, é quando ela começa a acreditar, de fato, que é culpada.
Nessa toada, responda rápido: por que o cachorro entra na Igreja? Porque a porta estava aberta, ô, cabeça. Seguindo a mesma lógica, por que, então, há lixo acumulado nos bairros humildes da cidade? Espera aí, que eu estudei essa matéria… noves fora… porque produzimos muito mais lixo do que a rotina de coleta possa dar conta, tio? Uma estrelinha na testa desse garoto! O problema não está na população que descarta o lixo de maneira inadequada, está no serviço concedido que é ineficaz.
A propósito, a população é a parte mais frágil dessa relação. Evidentemente, em se tratando de um serviço prestado por uma concessionária, envolve processos licitatórios e contratos formalizados prevendo responsabilidade das partes, incluindo-se aí a rotina de horários nos bairros, delineada de modo a suprir a necessidade e ser vantajoso para a empresa vencedora do certame, claro. Quando porém, verifica-se uma falha no processo, o caso é investigar onde está o ralo e agir sobre ele; se foi percebido que um bairro ou outro produz mais lixo (no caso específico desse textículo semanal), então, basta aumentar a frequência da coleta. Simples assim. A questão é puramente matemática, viu?
O nó górdio é que, incrementando-se a coleta semanal, aumenta-se também os custos da prestação do serviço, e... advinha quem pagaria por eles? Aliás, espera aí… eu tenho aqui os recibos… Imposto Predial e Territorial Urbano e taxa de coleta de lixo doméstico… Opa, já estão pagos. Corrigidos anualmente pelo IPCA, inclusive. Já estão pagos, terráqueo. Pois então, aos costumes.
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