A pedra
“No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho.” (Carlos Drummond de Andrade)
Veja bem, caro terráqueo. Não tenho conhecimento do credo que você professa, no que crê ou descrê – e a bem da verdade, isso nem importa muito, desde que realizemos o pacto ficcional para a crônica. Eu sei, eu sei. Não precisa franzir os lábios, nem cruzar os braços. “Política, futebol e religião não se discutem”, não é isto o que doutrina a cultura popular? Contudo, se Nelson Rodrigues podia falar de futebol, e até o mestre Machado de Assis de política, por que causa, motivo, razão ou circunstância eu não poderia me dar ao luxo de citar, mencionar ou sequer resvalar em religião, oras?
Ah, tá. Porque não sou nem um nem outro. Tudo bem, aceito seu argumento. Mas tocarei nisto mesmo assim, tá, cara pálida? Relaxe aí. E vamos logo, porque estou me perdendo no acessório e esquecendo o essencial.
Acompanhe meu raciocínio. O mote é a ressurreição de Lázaro, relatado no capítulo onze do Evangelho de João. Segundo consta, Jesus fora avisado que Lázaro, irmão de Maria e Marta, estava muito doente, mas demorou ainda dois dias para ir ter com ele. E Jesus chorou, pois chegando lá, o amigo já estava morto e enterrado. De repente alguém vai dizer “pô, Jesus se atrasou?”. Ahn, ahn. Papai do Céu não dá ponto sem nó.
Acontece que no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. “Tirai a pedra”, disse pois, Cristo. E mesmo tendo sido Ele a dizer, ainda houve uns camaradas que relutaram, olha que audácia. No fim das contas, a pedra foi retirada e Lázaro, ressuscitado.
E daí? E daí que esses dias um colega comentou sobre um concurso que ia realizar, outro falou sobre a rotina de trabalho no seu emprego, um terceiro ficou praguejando contra o frio, contra a chuva, contra os seus quilinhos a mais, contra o cachorro do vizinho que não para de latir, contra a alta do preço dos combustíveis. Motivos para murmurar não vão faltar. Mas para agradecer, aí é que não faltam mesmo. Por isso, deixa eu colocar aqui meu tijolinho no céu.
Quando eu fico chutando pedrinha por aí, por uma causa qualquer, ou quando cruzo com alguém na mesma situação, eu lembro do episódio de Lázaro. Jesus podia muito bem ter removido a pedra Ele mesmo, mas fez questão de pedir que retirassem, porque sabia que era uma faina possível aos homens; a ressurreição não, esta era com ele: o impossível aos homens.
E o que aprendemos com isso, crianças? Primeiro, que o socorro sempre vem. Pode demorar, e você, de repente, até achar que é tarde demais. Contudo, ele sempre vem. Segundo, não há milagre sem sacrifício. Por isso, nem adianta pedir, orar, rezar, murmurar, esbravejar, sem fazer sua parte, porque nada cai do céu, assim, sem mais nem menos. Terceiro, e não menos importante… o que lhe parece mais absurdo? Remover uma baita pedra ou ressuscitar um homem? Pois é. E embora retirar a pedra do caminho não represente um contrassenso, quem disse que isso é fácil? Não é mesmo, cara pálida. Seja lá o que for pelo que eu ou você estejamos passando, vai ser pesado, sacrificante… mas possível, não se esqueça disso, amigo leitor. E se por acaso achar que está muito difícil, engole o choro e continua, porque o melhor vem depois.
Vai prestar um concurso, terráqueo? Estuda aí o máximo que conseguir e deixa o resto com Papai do Céu. Tirai a pedra. A rotina do trabalho é desgastante? Se preocupe apenas com a pedra. Está frio, chovendo, os combustíveis não param de aumentar de preço? Agasalhe-se, recolha as roupas no varal, trabalhe mais. Está precisando largar o cigarro? A pedra, terráqueo. Preocupe-se apenas com a pedra.
Viu? Não era nem sobre religião que eu pretendia falar, mas sobre perseverança, renitência, sobre insistir mesmo quando tudo parece perdido. Ou talvez tenha sido apenas um subterfúgio sem-vergonha para citar Cristo, Drummond, Rodrigues e Cia. Ltda.. Você é quem sabe. Ao fim e ao cabo, a decisão entre uma coisa ou outra é uma escolha sua. Sempre foi.
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