A paixão secreta
O marido jamais desconfiara de nada. Os filhos, tampouco. Era um segredo que pretendia levar para o túmulo – e ai de quem atravessasse seu caminho para impedi-la. A mulher era jovem, trinta e poucos anos, cabelos castanhos na altura dos ombros, bonita e charmosa. Simpática. Qualquer um desviaria o olhar em sua direção. Mas ela... mulher de família, recatada e do lar, ela tinha um nome a zelar.
O problema foi quando decretaram a quarentena como forma de combate à pandemia. Ora bolas. Quem é que aguenta marido e filhos enfurnados o tempo inteiro dentro de casa? Antes, o homem passava o dia no trabalho, quando não viajava; as crianças permaneciam pelo menos um período na escola, mas agora, não dão um minuto de sossego. “Que santa aguenta isso, meu Deus?”, dizia, o incômodo apertando-lhe a garganta. É um tal de “mãe, quero isso", “mãe, quero aquilo", que não acaba mais. Não sobra mais tempo pra ele... e isso estava lhe dando nos nervos.
Já havia tentado de tudo. Faxinou a casa insistentemente, arrumou e desarrumou os guarda-roupas, navegou sem sentido por redes sociais, tomou banhos gelados, mas a falta dele lhe fazia subir pelas paredes. Não aguentava mais. Nem eles. Foi aí que teve a brilhante ideia.
Naquele dia, colocou as crianças para brincar na rua, com a condição de que não fossem muito longe, nem conversarem muito próximos. É lógico que eles acataram na hora. Pedido de mãe torna qualquer coisa especial, e até mesmo mágica. O marido sorriu ao perceber-se a sós com a esposa, contudo, mal sabia o que o aguardava. Na primeira oportunidade, a mulher rezingou com por um motivo qualquer (ou por motivo algum). O homem ficou tão magoado, tão ressentido, sentiu-se tão incompreendido e injustiçado que preferiu sair para caminhar um pouco, para “clarear as ideias”. “Aproveite e veja o que as crianças estão fazendo!”, recomendou ela, num último arquejo antes de ele bater a porta atrás de si.
A mulher aproximou-se da janela, afastou a cortina, e certificou-se de que todos estavam distantemente seguros. Passou a chave na porta e caminhou para o quarto, atirando suas peças de roupa pelo corredor. Teriam pouco mais de trinta minutos, precisavam ser rápidos. Sentiu o corpo fremir diante da expectativa, o coração parecia que saltar-lhe-ia do peito.
Sorria, um sorriso nervoso, incontrolável e assustadoramente perturbado. Apenas de lingerie, sentou-se ao chão, recostada na parede do quarto, abraçada às pernas, cuja pele eriçada denunciava a emoção de tão sublime e esperado momento. Antes, subtraiu o maço de cigarros e o isqueiro, escondidos ironicamente embaixo do colchão, cúmplice dos momentos mais íntimos de sua vida. Meteu o fumo nos lábios trêmulos, acendeu-o e tragou profundamente, deixando rolar uma lágrima pela face.
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