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Acabou o milho, acabou a pipoca

Por George dos Santos Pacheco
12/03/25 - 10:55

"Carnaval, desengano. Deixei a dor em casa me esperando. E brinquei e gritei e fui vestido de rei. Quarta feira sempre desce o pano." (Chico Buarque)

Acabou o milho, acabou a pipoca. O Carnaval, cara pálida. Já acabou, não é? Já podemos voltar à nossa vida normal e reclamar do Governo, dos impostos, da obrigação de acordar cedo. Já podemos voltar a tentar a sorte na loteria e sonhar em nos tornar milionários, cobrar atitudes do poder público para diminuir o preço dos alimentos. Já podemos brigar outra vez com familiares sobre política, futebol e religião; já podemos tornar a falar bobagens nas redes sociais, a atravessar a rua fora da faixa, a furar o sinal vermelho.

Carnavalesco leitor, chegou ao fim, não tem choro, nem vela. As contas estão todas aí, a serem pagas – inclusive aquelas pelos excessos de bebida e comida, pela privação de sono, pelo voto errado. Os boletos chegaram e não adianta protelar, sambando de sandálias de dedo, camisa de time e tulipa de cerveja na mão. Não sei se estou sendo claro, mas vamos em frente, não custa tentar. Ou não?

O País do Carnaval foi o primeiro romance escrito por Jorge Amado, quando ele tinha apenas dezoito anos, publicado pela primeira vez em 1931. O livro narra a história de Paulo Rigger, filho de um rico produtor de cacau, que retorna ao Brasil após sete anos estudando Direito em Paris. Paulo sente um certo estranhamento em relação ao Brasil do Carnaval, pois acredita que a festa popular mantém o povo alienado, distante das discussões políticas e sociais de uma nação que ainda tenta, timidamente, superar seu atraso oligárquico e adentrar na era industrial e urbana. O País do Carnaval é considerado o mais investigativo e filosófico dos livros de Jorge Amado. Por isso mesmo, foi visto como subversivo na época e estava entre os livros do autor queimados em praça pública em Salvador, por ordem da polícia do Estado Novo, em 1937.

Ora, se Jorge Amado já fazia críticas contundentes ao comportamento político do brasileiro e à principal festa popular do país quase cem anos atrás, imagine hoje, meu amigo. Não existe na cultura brasileira, em nenhum outro período do ano, uma ruptura tão grande na rotina da sociedade, além do flagrante desprezo pela moralidade, pela ética e pelos bons costumes. Pareço um velho reclamando? Pois que seja. "Nada é verdade; tudo é permitido", disse Hassan Sabbah, em um contexto completamente distinto, mas a frase se encaixa com perfeição aqui.

Veja bem, terráqueo politicamente correto, a título de exemplo: a quantidade de lixo no centro da cidade na manhã do sábado de Carnaval era absurda, um comportamento que no cotidiano seria alvo de censura, mas que, em nome da folia, da catarse coletiva e do extravasamento de sentimentos e emoções, é tolerado como algo normal em uma sociedade que se autointitula em desenvolvimento. É isso mesmo? O florão da América iluminado ao sol do Novo Mundo é desse jeito? É assim que se comporta um filho que não foge à luta?

Carnaval, desengano. Quarta-feira sempre desce o pano. Ou não? Já não tenho tanta certeza disso. Após o alerta literário e quase profético de Jorge Amado em 1931, foram criados os hipnóticos reality shows, os programas de auditório, as novelas, as redes sociais, os campeonatos de futebol e as séries de streaming, que postergam essa sensação de desapego à conta-gotas ao longo do ano. E convenhamos, não podemos voltar à Europa como o protagonista de O País do Carnaval; se a folia momesca realmente chegou ao fim, talvez devêssemos aproveitar para voltar a discutir política, a nos preocupar com a inflação, a reclamar do calor (ou da chuva), retornar para casa em ônibus lotados. Se o Carnaval já acabou, podíamos procurar por vagas de estacionamento no centro da cidade, ou enfrentar congestionamentos – nos horários mais impróprios; quiçá questionar o poder de compra, a pagar pelas sacolas no mercado; voltar a ler livros, a ir à praia, a andar de bicicleta, a fazer churrascos. Ou não.


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