Entreouvido por aí

“Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.” (Demétrio, o Cínico)

Num passado não muito distante havia um periódico diário em que uma seção se destinava a publicar excertos de conversas que independentemente do contexto tornavam-se inusitadas, divertidas e às vezes até absurdas. Quem é que nunca presenciou algo do tipo por aí? Caminhando na calçada, na fila da lotérica, no balcão da padaria? Não se trata de bisbilhotar a conversa alheia, são ocasiões em que nos deparamos independente da nossa vontade – e que também ofertamos aos outros.

No geral são frases inofensivas, passíveis de serem compreendidas equivocadamente distante do seu contexto, mas que parecem uma polaroide da sociedade num determinado ponto do espaço-tempo, refletindo com uma exatidão quase fotográfica nossos usos, costumes e valores. Eu já tratei disso aqui, mas como besteira pouca é bobagem, aconteceu de novo, terráqueo. E lá vamos nós outra vez ao estudo de nossas bizarrices diárias.

Escuta (leia) essa, então:

“Roubar, todo mundo rouba”, disse um dito cidadão para o outro, em plena faixa de pedestres, com um sorrisinho sem graça. Eu não preciso nem dizer em que contexto isso ocorreu, não é? Um camarada estava justificando sua escolha baseado em uma premissa popular que reflete o descrédito das instituições e de nós mesmos. Igual a essa pérola aí é o famoso “roubou, mas fez" de porta de botequim.

Existem algumas práticas que são tão comuns e institucionalizadas, que não paramos para questionar, mas que já passou da hora de elas serem repensadas.

Que negócio é esse, cara pálida? Então a gente aceita essa sem-vergonhice fazendo nossas escolhas políticas baseados em sofismas? Roubar, todo mundo rouba; trair, todo mundo trai; sujar, todo mundo suja... Desculpazinha medíocre e esfarrapada essa, hein? O absurdo se torna maior quando se ouve esse tipo de coisa de gente esclarecida, culta, próxima dos livros.

O fato é que a política, apesar de fazer parte de nosso cotidiano ainda parece muito distante do tupiniquim. Ninguém quer ser passado para trás, mas quando se trata de política, não importam as ações dos governantes, quando se chega a um resultado que interessa. Nesse quesito o brasileiro se parece com o “corno manso”, figura conhecidíssima do folclore nacional, que até sabe que está sendo traído, mas prefere fingir-se de desentendido.

Não me entenda mal, politizado leitor, nem use minhas frases fora de contexto. O cara podia ter falado do tempo, do pão que estava torrado de mais, da gasolina que estava cara, mas eu flagrei justamente o seu posicionamento quanto ao voto nas eleições. Eu poderia ter ficado quieto (assim como ele), mas este é o mote da nossa anedota de hoje. Para encerrar o assunto, mamãe tem razão: se não tiver nada para falar, basta ficar quieto – e não haveria nem crônica por isso.